“Você, Reis, tem sina de andar a fugir das revoluções”:
História e transficção n’O ano da morte de Ricardo Reis
Resumo
Em Saramago, a reflexão sobre o tema das revoluções é comumente associada a Levantado do chão, de 1980, romance que se destacou entre as publicações pós-25 de abril e que marcou o estilo pelo qual o autor passaria a ser conhecido. Esse estilo é indissociável de uma preocupação com a História, com os seus protagonistas e coadjuvantes, com a construção da memória coletiva e as suas feridas mal cicatrizadas, de modo que o referido tema reaparecerá em outras obras, inclusive a partir de uma perspectiva a princípio antirrevolucionária, como é o caso do curioso herói d’O ano da morte de Ricardo Reis, de 1984. Interessa-me neste trabalho analisar o modo como diversas revoluções são representadas na obra de Saramago, com destaque para O ano, onde elas surgem de maneira indireta, na recusa do protagonista, uma personagem transficcional, em se envolver com o seu entorno. Da Intentona Comunista de 1935, no Rio de Janeiro, à Revolta dos Marinheiros de 1936, em Lisboa, são vários os episódios históricos revolucionários que, constituindo o cenário com o qual Ricardo Reis será confrontado, vão afirmar a necessidade de agir perante os chamados espetáculos do mundo. A narrativa em questão, bem anterior à Revolução dos Cravos, não deixará de apontar para ela e desejá-la, jogando com tempos, Histórias e intertextos e lembrando que aquela “terra espera” outro desfecho.